Orgulho na docência: LGBTQIA+ no Magistério Municipal

28/06/2022 13:52

Orgulho na docência: LGBTQIA+ no Magistério Municipal

Docentes relatam suas experiências como membros da comunidade LGBTQIA+ dentro das salas de aula

Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) revela que 37% dos homossexuais sofrem preconceito dentro das salas de aula e que os educadores não sabem reagir apropriadamente diante das agressões no ambiente escolar. Além disso, 73% dos estudantes que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais são agredidos verbalmente, e 36% são agredidos fisicamente nas escolas, de acordo com dados da Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil.

 

Desde 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais tratam da necessidade da educação sexual, o que inclui discussões sobre orientação sexual e identidade de gênero na sala de aula. Entretanto, em uma investida recente do Ministério da Educação, temas tocantes a gênero e sexualidade foram suprimidos da Base Nacional Comum Curricular, excluindo a discussão do universo escolar.

 

Quando o tema se estende à atuação das professoras e professores em sala de aula, polêmicas acirram um debate sobre a existência de ‘‘ideologia de gênero’’ dentro das escolas. Os docentes se tornaram um dos principais alvos de grupos conservadores que buscam excluir por completo a discussão do ambiente escolar. 

 

Em um caso recente de repressão à categoria, um professor de artes da rede municipal de ensino de Criciúma (SC) foi exonerado após exibir o clipe da música "Éterea", do cantor Criolo, com temática LGBTQIA+ e imagens sensuais, para alunos do 9º ano do ensino fundamental. A abordagem em sala de aula foi criticada pelos pais e resultou no afastamento do educador do cargo pelo prefeito da cidade. 

 

Um sentimento de temor à violência é intensificado entre a categoria quando se trata da presença de docentes LGBTQIA+ dentro das escolas, conforme explica o Secretário de Políticas Sociais e Questões de Gênero do Sindipema, Flávio Nascimento. ‘‘A escola é uma instituição da sociedade que temos, por isso ela também é marcada pelas estruturas de opressão. Portanto, quando um indivíduo inserido nesse espaço apresenta uma performance de gênero divergente do padrão (heteronormatividade), ele está exposto a um conjunto extra de possibilidades de violências no ambiente escolar’’, explica o professor e dirigente sindical.

 

O secretário ainda destaca que a rede municipal de ensino de Aracaju é apenas um reflexo da educação pública das demais regiões do país. Dessa forma, os desafios enfrentados por docentes LGBTQIA+ são estruturais. Entretanto, Flávio ressalta que enxerga um cenário positivo de mudança devido a quebra de tabu em temas sobre sexualidade e gênero pelas novas gerações.

 

Apesar do receio em praticar a docência, a futura geração de docentes LGBTQIA+ presencia uma realidade um pouco diferente da expectativa que temem. O estudante de licenciatura em Biologia Thaynan Fraga, 22 anos, destaca uma experiência positiva em seu primeiro contato com a sala de aula. 

 

O futuro professor afirma que, durante seu primeiro estágio docente, percebeu que boa parte dos alunos possuem ‘‘uma visão progressista sobre os temas em razão da facilidade do acesso à informação, o que permite uma melhor compreensão da diversidade de gênero e orientação sexual’’. Ele ressalta que presenciou um ‘‘acolhimento caloroso’’ por parte dos estudantes, especialmente àqueles LGBTQIA+, que o enxergavam em forma de representatividade. 

 

Thaynan explica o temor que inicialmente teve em transparecer sua homosexualidade dentro da escola, em razão de ‘‘perder o respeito dos/as alunos/as e sua autoridade em sala de aula’’. Apesar do acolhimento recebido, ele salienta que brincadeiras preconceituosas e xingamentos ainda são presentes no ambiente escolar, tanto por estudantes, como também por outros docentes. ‘‘É um problema estrutural que aos poucos vai sendo combatido’’. Ele ainda destaca que o universo escolar é um local que precisa da inserção de diversos temas como gênero, corpo e sexualidade. ‘‘Os/as alunos/as têm facilidade de compreender os temas, pois eles estão inseridos em sua realidade. A questão de fato é a estrutura conservadora que ainda assola a escola’’, explica Thaynan.

 

O professor Gibaldo Souza Santos é outro educador que defende a inserção do debate desses temas na escola. Sua orientação sexual nunca foi motivo para esconder suas facetas. ‘‘Sempre sou e fui aberto para o debate, pois entendo que através dele, devemos esclarecer o que realmente significa o tema, sem dogmas religiosos ou outros viés político-partidários que retrata desinformação, alienação e discriminação’’, pontua o professor.

 

O educador destaca a necessidade de debater a diversidade na comunidade escolar com o objetivo de tornar a escola uma instituição plural, democrática, inclusiva e cidadã. Gibaldo, além de profissional do Magistério de Aracaju, também é militante da causa LGBTQIA+, portanto faz do tema sua pauta cotidiana no exercício da docência. ‘‘Procuro levantar a autoestima de todos os meus alunos, especialmente daqueles que precisam se encontrar com as suas verdades mais sinceras, de serem acolhidos e terem suas dúvidas e anseios respondidos’’, explica Gibaldo.

 

A professora Meirielle Castro Lima é coordenadora da EMEF Manuel Bonfim e também professora da rede municipal há 8 anos. “Eu ‘saí do armário’, me assumindo como lésbica, há 4 anos. A gente fica seguindo um padrão. Hoje eu não escancaro a minha orientação sexual, mas também não escondo”, conta a educadora. Na escola, ela revela que a realidade entre os alunos é de aumento da ansiedade, situação que afeta os estudantes como um todo,  mas principalmente os LGBTQIA+. 

 

“Quando eu percebo a ansiedade em um aluno, tento conversar isso de maneira reservada e, quando percebo que se trata de um aluno LGBTQIA+, eu digo que ele é livre ser quem ele é, sempre respeitando as regras da escola”, revela. 

A professora também acredita que a escola é um espaço de acolhimento e transformação social. “Toda mudança na sociedade parte de um ensinamento, então a gente, na escola, tenta evitar que os alunos sofram bullying de maneira geral, não somente por serem LGBTQIA+”, explica Meirielle.

 

Nesse contexto, a divulgação de ideias inexistentes no debate científico, como a “ideologia de gênero”, atrapalham o papel de acolhimento e de conscientização da escola. “A difusão de ideias que não têm fundamento na realidade tem sido bastante preocupante no ambiente escolar. Por muitas vezes, os pais de alunos, quando o filho possui algum problema, já vêm pra escola com um discurso pronto, não procuram saber do problema do filho que está ansioso”, relata. 

 

“Isso acaba atrapalhando, já que a falta de solução de um problema acaba desencadeando outros, como a automutilação”, lamenta a coordenadora. “Entendo que a primeira preocupação dos pais deveria ser a saúde dos filhos, tanto física, quanto mental. Nós tentamos mostrar que temos um trabalho sério e demonstrar que o pai deve buscar compreender seu filho, antes que a situação piore para uma situação mais desafiadora”, completa.

 

Meirielle ressalta também a importância do acompanhamento por profissionais de Psicologia dentro do ambiente escolar, como forma de melhorar o acolhimento. “Seria um sonho ter um psicopedagogo e um psicólogo dentro da escola, para atender os alunos. Também seria importante para os pais, porque eles precisam ser ouvidos e precisam de alguém que explique a condição do filho, seja ele LGBTQIA+ ou não”.

 

A lei federal 13.935/2019 prevê que todas as instituições da educação básica no Brasil devem ter, pelo menos, um profissional de Psicologia e um profissional de Serviço Social em seu quadro pedagógico. O município de Aracaju, contudo, não cumpre essa determinação e não disponibiliza esses profissionais nas escolas municipais, segundo relato de educadores do Magistério Municipal.

 

Tendo em vista a necessidade da inclusão das pautas sobre diversidade no universo escolar, a Secretaria de Políticas Sociais e Questões de Gênero do Sindipema atua para suprir esse carecimento. Segundo Flávio Nascimento, Secretário da pasta, o movimento sindical busca qualificar sua luta ao estimular a reflexão sobre o fato de a classe trabalhadora ser atravessada por marcadores sociais, como a raça, o gênero, a orientação sexual, a religião, entre outros. Nesse contexto, a Secretaria se empenha a formular ações para que essas reflexões sejam materializadas na prática.

 
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