SEMED propõe alterar matriz curricular retirando aulas de Educação Física, História e Geografia sem apresentar estudo pedagógico
Currículo Sem Rumo: Secretaria Municipal de Educação apaga História, perde o mapa da Geografia e fica sem fôlego na Educação Física
Nos últimos dias, tornou-se pública uma proposta da Secretaria Municipal da Educação de Aracaju, de alteração da Matriz Curricular da rede pública municipal, que retira aulas de três componentes do currículo regular – História, Geografia e Educação Física – para, supostamente, abrir espaço à duas novas disciplinas – Educação Digital e Educação Ambiental –, mesmo não existindo obrigatoriedade da criação e os dois temas podendo ou devendo ser trabalhados de forma transversal
A proposta prevê a retirada de uma aula de Educação Física nos anos iniciais, a retirada de uma aula de Geografia e de uma de História nos anos finais para inclusão de Educação Digital e Educação Ambiental como componentes específicos.
Segundo a própria gestão, a mudança é motivada, principalmente, por necessidades financeiras, já que, segundo a SEMED a gestão anterior, do ex-prefeito Edvaldo Nogueira, realizou concurso público sem garantir previamente os recursos para pagar os novos professores.
Durante a reunião realizada na tarde do dia 27 com um grupo de professores de Educação Física, representantes da Secretaria de Educação informaram que, por decisão administrativa, a pasta optou por transformar as disciplinas de Educação Digital e Educação Ambiental em obrigatórias. Em diversos momentos, a proposta foi tratada como se já estivesse aprovada, embora a Matriz Curricular sequer tenha sido apresentada oficialmente ao CONMEA, órgão responsável pela análise e deliberação, ficando evidente, ainda, que não houve qualquer debate prévio com os departamentos responsáveis.
A gravidade da situação fez com que o SINDIPEMA agisse para barrar a investida da SEMED, ocupando espaços em programas de rádio, levando à população a seriedade do fato; também realizou plenária com a categoria para discutir a questão; está buscando os vereadores para validar a falta de fundamentação jurídica no intento da Secretaria Municipal de Educação, além de entidades de pesquisa para apoiarem a oposição à essa iniciativa da gestão municipal de mexer na Matriz Curricular.
Leia a seguir a Nota Técnica do sindicato refutando a proposta da SEMED:
NOTA TÉCNICA DO SINDIPEMA
Lei nº 9.795/99 determina que a Educação Ambiental deve ser transversal, contínua e integrada, não uma disciplina
A proposta da SEMED contraria diretamente a Política Nacional de Educação Ambiental, instituída pela Lei nº 9.795/99, que define a Educação Ambiental como componente essencial e permanente da educação nacional. Essa política determina que o tema esteja articulado a todos os níveis e modalidades de ensino e seja desenvolvido como uma “prática educativa integrada, contínua e permanente”.
O ponto mais explícito da lei aparece no Art. 10, §1º:
“A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo.”
Assim, a legislação determina que a abordagem ambiental seja transversal e interdisciplinar, permeando todas as disciplinas e etapas da educação básica. Criar uma disciplina isolada de Educação Ambiental, como propõe a SEMED, contraria o modelo legal estabelecido pela política nacional e adiciona mais um componente obrigatório às escolas sem necessidade normativa, ao mesmo tempo em que reduz carga horária de áreas fundamentais como História, Geografia e Educação Física.
Decisão financeira sem debate pedagógico
A reunião em que o tema foi discutido ocorreu a portas fechadas, e a SEMED mencionou incômodo com o “vazamento” das informações, o que reforçou a percepção de que a decisão não foi construída coletivamente, tampouco acompanhada de debate sobre impactos pedagógicos.
A Secretaria não apresentou estudo de impacto, especialmente sobre:
- número de professores que seriam afetados;
- necessidade de redistribuição de carga horária;
- efeitos sobre o edital de remoção já publicado;
- implicações pedagógicas da retirada de aulas de componentes estruturantes da formação básica.
Para a direção do Sindipema, não há justificativa pedagógica para as supressões propostas, e o remanejamento de docentes não solucionará a carência histórica de professores na rede municipal, inclusive em disciplinas que já apresentam déficit.
Além disso, é preciso evidenciar que o impacto da proposta de alteração na Matriz Curricular é profundamente distorcido quando analisado na prática. O aumento atual da demanda por professores de Educação Física não decorre de qualquer mudança curricular recente, mas do cumprimento da própria LDB, que desde 2003 tornou obrigatória a Educação Física em toda a Educação Básica, incluindo as turmas de 4 e 5 anos. De acordo com informações da Central de Dados da Secretaria Municipal de Educação de Aracaju, existem hoje 347 turmas nessa etapa, o que exige a contratação mínima de 35 novos professores de Educação Física apenas para atender ao que a lei determina. A retirada de uma aula nos anos iniciais, como previsto na proposta da SEMED, reduziria a necessidade de docentes nessa etapa em cerca de 30 profissionais, de modo que a rede precisaria convocar somente 5 aprovados do concurso. Nos anos finais, a diminuição de uma aula de História e outra de Geografia implicaria a redução de mais 12 docentes em cada disciplina, número que serviria apenas para tentar suprir a já existente falta de professores nessas disciplinas, justamente aquelas que mais chegam ao sindicato em forma de denúncia por carência de profissionais. Em resumo, uma manobra para chamar um menor número de concursados.
Contexto financeiro: aumento de cargos comissionados supera R$ 400 mil
Embora a SEMED alegue falta de recursos para absorver novos professores concursados, o sindicato identificou que, entre o final da gestão do ex-prefeito Edvaldo Nogueira e a atual gestão da Prefeita Emília Correa, em outubro de 2025, houve um aumento aproximado de R$ 400 mil mensais em gastos com cargos comissionados na própria Secretaria de Educação.
Para o sindicato, isso evidencia uma contradição: reduzem-se aulas essenciais para economizar, ao mesmo tempo em que aumentam despesas administrativas.
Mudanças contrariam diretrizes da BNCC e o Parecer CNE/CEB nº 02/2022
A Lei nº 14.113, que regulamenta o Fundeb, estabelece como condicionalidade para o recebimento da complementação-VAAR que as redes de ensino possuam referenciais curriculares alinhados à BNCC (Art. 14, §1º, V). Isso significa que qualquer proposta curricular deve obrigatoriamente manter coerência com a Base. Nesse marco normativo, os conteúdos de Computação devem estar presentes no currículo, mas a forma de organização - disciplina própria, componente integrado, trabalho por áreas ou projetos - é de responsabilidade das redes e das escolas, respeitando sua autonomia e seus projetos pedagógicos. Assim, a Computação pode ser incorporada a componentes curriculares já existentes, ou pode ser trabalhada por áreas ou projetos, desde que haja garantia de carga horária e progressão das habilidades.
Resta evidente que há a determinação de que os “processos e aprendizagens referentes à Computação” sejam implementados conforme as competências e habilidades previstas na BNCC, sem impor sua oferta como disciplina nova ou isolada. Ao contrário, reafirma-se a autonomia dos entes federados, permitindo que a Computação seja integrada de modo transversal ou interdisciplinar às áreas já existentes.
O Parecer CNE/CEB nº 02/2022 e a Resolução CNE/CEB nº 2/2025 explicitam que as redes podem desenvolver as habilidades da BNCC Computação em componentes já existentes que a inclusão pode ocorrer de forma transversal ou por meio de projetos e a criação de um componente curricular não uma exigência normativa. Esse entendimento também está de acordo com a Lei nº 9.795/99 e com a própria BNCC, que não determinam a criação de novas disciplinas, mas sim a integração das aprendizagens essenciais ao currículo.
A análise do cenário nacional indica que a transversalidade tem se consolidado como a forma predominante de implementação da BNCC Computação nas redes de ensino. Essa tendência expressa a busca por modelos mais flexíveis e adequados às realidades locais, nos quais a Computação é incorporada por meio de projetos integradores, sequências didáticas, componentes eletivos ou itinerários formativos.
Dever de Casa: o exemplo do Governo Fábio Mitidieri
Um exemplo bastante próximo é a Resolução nº 98, de 4 de setembro de 2025, do Estado de Sergipe, que autoriza a implementação da BNCC Computação na rede estadual e institui o Caderno Complementar ao Currículo de Sergipe: BNCC Computação 2025. O documento apresenta propostas pedagógicas, recursos e orientações para que docentes integrem o pensamento computacional de forma interdisciplinar, conferindo ampla flexibilidade para que as escolas definam a organização mais adequada às suas condições específicas. Além disso, o Caderno Complementar está estruturado com objetivos de aprendizagem para a Educação Infantil, objetos de conhecimento e habilidades para o Ensino Fundamental, podendo ser utilizado também pelo município de Aracaju, que deve articular seu sistema de ensino com o sistema estadual e com o sistema nacional de educação.
Assim, a BNCC, o Parecer CNE/CEB nº 02/2022, a própria Lei do Fundeb e a legislação estadual convergem para o mesmo princípio: a Computação deve estar presente no currículo, mas sua forma de organização cabe às redes e às escolas, que podem integrá-la transversalmente, desde que garantam a progressão das aprendizagens.
Portanto, criar disciplinas novas para conteúdos que não são exigidos como disciplinas pela legislação nacional e, para isso, retirar aulas de áreas estruturantes da formação básica, é considerada uma escolha administrativa sem amparo técnico-pedagógico.
Compreensão equivocada sobre conceito de Currículo
É fundamental, ainda, distinguir currículo de grade curricular, conceitos frequentemente confundidos, mas que possuem naturezas e funções distintas. O currículo é um documento orientador de caráter pedagógico, normativo e estrutural, que define as competências, habilidades, objetivos de aprendizagem, princípios formativos e concepções metodológicas da rede. Ele possui respaldo jurídico em instrumentos como a BNCC (Resolução CNE/CP nº 2/2017), as Diretrizes Curriculares Nacionais, os Pareceres e Resoluções do CNE, além das legislações que garantem a autonomia dos sistemas de ensino (art. 211 da Constituição Federal e art. 8º da LDB). Já a grade curricular é apenas a materialização quantitativa e administrativa da oferta de disciplinas, traduzida no número de aulas semanais e na distribuição da carga horária.
Do ponto de vista técnico, a BNCC, o Parecer CNE/CEB nº 2/2022, a Resolução CNE/CEB nº 2/2025, a Lei nº 9.795/1999 e a Lei nº 14.926, de 2024 reforçam que a incorporação de novos conteúdos como Educação Digital ou Educação Ambiental não obriga a criação de disciplinas, podendo ocorrer por meio de integração, transversalidade ou projetos interdisciplinares. Juridicamente, alterar a grade curricular exige estudos de impacto, justificativa pedagógica, respeito às atribuições dos Conselhos de Educação e análise dos reflexos no quadro docente, sob pena de violação dos princípios da gestão democrática, da eficiência administrativa e da legalidade. Assim, vincular a implementação de novos conteúdos à supressão de aulas de outras áreas, como fez a SEMED, revela uma compreensão equivocada desses conceitos e desconsidera tanto a técnica pedagógica quanto os fundamentos legais que regem a política curricular.
Educação Física: impacto direto na saúde, aprendizagem e desenvolvimento social
Entre as mudanças mais preocupantes está a redução da carga horária de Educação Física, disciplina obrigatória em toda a educação básica pela LDB e que, em nossa rede, na vanguarda nacional, está prevista para integrar também as turmas de 4 e 5 anos a partir de 2026, representando um avanço significativo. Além dos benefícios amplamente comprovados na melhoria do desempenho acadêmico e na contribuição efetiva para a aprendizagem, trata-se de um componente essencial para o desenvolvimento motor, emocional e social das crianças, sendo, ainda, a disciplina mais apreciada por grande parte dos estudantes.
Em um contexto urbano marcado pela redução de espaços públicos, insegurança, diminuição do tempo de lazer das famílias e aumento de problemas de saúde mental entre crianças, retirar aulas de Educação Física vai na contramão das necessidades contemporâneas.
Sindipema cobra transparência e rigor técnico do CONMEA
Nos Ofícios nº 113/2025 e nº 114/2025, o Sindipema solicitou ao Conselho Municipal de Educação esclarecimentos sobre a tramitação da proposta. O sindicato criticou o uso antecipado do termo “aprovação” na distribuição do processo. Reiteramos nossa posição contrária à falta de debate público, à ausência de estudos técnicos e à condução administrativa que trata o tema como uma decisão já tomada.
A presidente do CONMEA que também é chefe da Assessoria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional da SEMED-Aracaju, respondeu que não houve deliberação prévia e que o processo seguirá o rito legal de apreciação, discussão e votação. Entretanto, na contramão dessa afirmação, a Consultora Extraordinária para Assuntos Governamentais da SEMED-Aracaju, Dayse Góes Prado, concedeu entrevista ao Jornal da Rio – Edição do Meio-Dia desta sexta-feira, 28 de novembro, tratando a alteração da Matriz Curricular como algo já consolidado. A postura adotada na entrevista reforça a percepção de desrespeito aos membros do Conselho Municipal de Educação, que sequer deliberaram sobre o assunto. A tática de apresentar uma posição da gestão como se fosse do conselho demonstra, no mínimo, uma confusão de papéis ou desconhecimento da lógica deliberativa do sistema educacional.
Debate urgente para a educação pública
A alteração da matriz curricular da rede municipal de Aracaju representa um impacto profundo na organização pedagógica das escolas, no trabalho docente e na formação das crianças. Ao ser motivada por razões financeiras, contrariar legislações federais, suprimir aulas de componentes estruturantes do currículo e carecer de justificativa técnica, a proposta da SEMED levanta preocupações legítimas na comunidade escolar.
A direção do Sindipema reafirma que acompanhará o processo e defenderá que qualquer mudança curricular seja:
- legalmente fundamentada,
- pedagogicamente coerente,
- construída com participação social,
- e comprometida com a qualidade da educação pública.
A direção do Sindipema defende, com base na LDB, no Fundeb, na BNCC, na Lei nº 9.795/1999, na Resolução CNE/CP nº 2/2012, no Parecer CNE/CEB nº 2/2022 e na Resolução nº 98 do Estado de Sergipe, que a adoção da BNCC Computação de forma transversal e integrada é juridicamente válida, normativamente segura e pedagogicamente adequada. Ressalta, ainda, que nenhum instrumento normativo exige a criação imediata de uma disciplina específica. Compete ao município garantir a formação docente, revisar os PPPs, adotar metodologias ativas e monitorar as aprendizagens digitais, assegurando condições reais de implementação. Essa solução viabiliza a adequação ao VAAR sem risco de perda de recursos e, ao mesmo tempo, respeita a democracia interna da rede. No caso da educação ambiental, a legislação não permite sua constituição como disciplina específica no currículo; portanto, essa possibilidade sequer deve ser considerada.

